20/07/2017

Os dias frios


Os últimos dias têm sido implacáveis em termos de temperatura.  Os termômetros despencaram. De um improvável veranico de julho fomos jogados num inverno rigoroso, daqueles com direito a chuva, vento e neve no noticiário da tevê.  De camisetas e bermudas a blusões pesados, casacos e toda a parafernália que se encontrava guardada nos roupeiros de quem tem.
Na fruteira, um vento gelado entrava quase sem respeito pela porta da frente entreaberta. Os viventes encasacados, que aguardavam a hora de pesar suas cenouras, beterrabas, chuchus, aipins e batatas doces, encolhiam-se a cada lufada mais forte.  Alguém disse que saiu desprevenido.  Dentro de casa é quentinho. Saiu pela garagem. Dentro do carro também não sentiu muito bem a temperatura ambiente.  Achou que não era tão frio. Quando o nariz encarou o ar gelado, o arrependimento tomou conta do indivíduo. Havia colocado pouca roupa para o tamanho do frio que se apresentava.
Um gaiato, de touca, cachecol, luvas e casaco por cima de uma série interminável de básicas e blusas, brincava que estava aguardando o frio finalmente chegar. Outro lembrava que o frio não fazia bem. Gostava mesmo de uma camiseta destas sem marca nem muita frescura, uma bermuda e chinelos havaianas. Um boné para cobrir o que restava ainda de cabelos e pouca coisa mais.
Nestes papos de dias frios sempre aparece alguém que adora uma friaca. Vira e mexe e o principal argumento é a beleza das vestimentas que o frio permite. Ou as variações gastronômicas possíveis. As sopas, os capeletis e as variadas massas acompanhadas de vinhos e outros que tais. Não há porque negar que os dias mais frios apresentam certo apelo pela comilança mais forte e mesmo por favorecer aqueles que têm condições de desfilar com casacões, botas e variados apetrechos que, se bem usados e combinados, podem mesmo revestir até os mais feios com algum ar de elegância.
Nos tempos de piá, nada disso era levado em conta. A gurizada não queria elegância. O amontoado de roupas era um adversário quase invencível. Nas peladas do campinho, qualquer canelada tirava o guerreiro do combate. O vento entrava pelos abrigos finos e gelavam os ossos.  Mas, ninguém desistia por causa de um friozinho desses. As mãos avermelhavam-se de frio. Os dedos pareciam que iriam cair. Esfregavam-se as mãos e corria-se muito. Não tinha como jogar parado. Jogador elegante, desses técnicos que davam toquinho para fazer jogo correr sem muito suar, morreria de frio.  Aliás, não passava frio porque não saia de casa. A mãe não deixava.
Nem sei ao certo como sobrevivíamos ao frio intenso naquelas diminutas tardes de futebol. Era um fenômeno. Muita fome de bola. Ganhávamos do frio na corrida. Insistência pura. Não havia tempo para covardia. Depois de uma ou duas partidas, vez por outra um fio de suor corria por baixo daquele monte de roupas. Era o frio sendo vencido naquelas geladas tardes de inverno. O resultado do jogo importava muito pouco. O importante erra correr do frio, espantá-lo dali. A bola corria sempre. Ela não podia parar. Corriam os meninos atrás dela. Era a vida daqueles moleques naqueles tempos. Tempos frios, mas vencíveis.                                                           

Nenhum comentário:

Postar um comentário