15/01/2016

A Lenda

Reza a lenda que os meninos
nascem para a felicidade
Reza a lenda que os meninos nascem para a felicidade. E nascem muitos. São dezenas na região. Milhares no país e milhões no mundo todo. Meninos e meninas recebidos com alegria e satisfação pelos pais, pelos avós e tios. Ou rebentos que encaram o mundo com a desconfiança e a frieza daqueles que os fizeram e que, em tese, seriam seus mentores, incentivadores e responsáveis pelos primeiros caminhos que seguirão por aqui.
Na caminhada destes novos seres, nada é certo. Nada ainda é totalmente definido.  Salvo um ou outro reconhecido na tenra idade como um Buda, um iluminado, e providencialmente afastado dos demais para atingir um grau de purificação impossível de ser atingido na vida cotidiana, todos seguirão seus incertos caminhos apoiando-se naquilo que estará ao seu redor.

Alguns terão suas vidas ceifadas por uma estúpida guerra engendrada por algum estúpido tirano que deseja expropriar o “inimigo” de sua meninice. Alguns outros sucumbirão aos desprazeres da fome, do frio e destas situações que resistem ao tempo, aos avanços tecnológicos e à força das economias pulsantes, tão calcadas na produção de objetos tecnológicos e quinquilharias modernosas que logo logo serão somente lixo.
 Haverá aqueles que ficarão pelo caminho por causa das doenças que resistem e se modificam, apesar dos avanços da medicina. Um só mosquito, um insignificante mosquito, que se cria num descuidado pneu esquecido no jardim, pode significar a diferença entre a vida e a morte. Outras circunstâncias poderão contribuir para que os meninos deixem esta existência. A vida no crime, a ousadia exagerada na direção, o uso de substâncias para substituir a carência de amor e de atenção, o desespero pela emoção rápida e radical, enfim, sempre haverá algo à mão para sabotar a existência.
Alguns seguirão na estrada. E, como reza a lenda, terão a oportunidade de vivenciar o estado de felicidade. Porém, o caminho parece ser apinhado de armadilhas. Sutis armadilhas que se escondem nos locais mais improváveis. Na posse dos objetos, na casa vistosa, no carro esplêndido, nas grandes viagens. Talvez ninguém tenha dito, mas muitos certamente já pensaram que tudo o que vale é uma self na rede social. A realidade editada. A felicidade para os outros verem.  

Os meninos nascem para serem felizes. Que o sejam. Sem alarde. Sem grandes postagens. Sem comentários elogiosos. Pode haver felicidade no silêncio. Talvez não haja mesmo felicidade numa self.  Reza a lenda. Reza.      

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