02/05/2015

O Olhar do Outro

Nossos olhos captam o movimento do mundo à nossa volta. E não estamos sós. Os olhos dos outros captam nossos movimentos. E assim, trocando olhares, vamos seguindo nosso caminho por aqui. Olhamos e somos olhados. E nossa imagem vai sendo medida. Nossos passos vão sendo analisados, sem maldade, sem interesse. Ou com maldade e com interesse.

Até que ponto o olhar do outro interfere no nosso dia a dia, no nosso modo de viver? Há quem diga que não se preocupa com o que os olhos dos outros captam. Será verdade?
Quando cursava Letras, na FACOS, participei de um curso de teatro. Os anos 80 estavam  no seu auge. Desejava aprender algo mais, algo novo. Queria algo que efetivamente contribuísse  de algum modo para construir um novo olhar sobre a realidade. E a realidade artística, convenhamos, é sedutora.
Certo é que não me tornei um ator de teatro. De lá para cá não figurei em qualquer peça, nem como mero figurante. Porém, um exercício dos mais comuns foi muito significativo. O mestre formou uma espécie de corredor polonês. A tarefa era extremamente simples. Cada um dos pretensos futuros atores deveriam tão somente caminhar naturalmente enquanto trinta pares de olhos acompanhavam seus passos. O circuito não era maior do que uma dezena de metros. Portanto, não passavam de dez passos.
O percurso todo era superado em um minuto, se muito. O tempo, porém, parecia conspirar contra cada um dos alunos. Alguns simplesmente travavam no começo da jornada. Não faltavam vozes de incentivo. Porém, quanto maior o apoio maior era a dificuldade. As pernas ficavam pesadas. O corpo não respondia direito. Os gestos saiam caricatos. 
A conclusão óbvia é de que tudo muda quando os olhos dos outros estão te mirando. Em regra, as pernas deixam a naturalidade de lado. Isto, claro, quando o indivíduo está efetivamente preocupado com a imagem que o olhar do outro está captando. A necessidade de caminhar melhor, com maior graça, com maior leveza vai sepultando o passo natural, corriqueiro e verdadeiro. E o passo desengonçado, claudicante, trôpego não consegue ser refeito. Só o passo seguinte pode concertá-lo.
“Este passo não é natural. Não é teu. Isto não é crível”, dizia o mestre após cada um concluir o percurso. Repetimos a lição um par de vezes. Saí dali com a nítida impressão de que as técnicas do teatro são bem úteis para estes artistas amadores que somos todos nós.  

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