24/04/2015

O Divino Gol

O artilheiro gira com rapidez, engana o zagueiro e desfere um chute perfeito. A bola descreve uma curva, sobe e desce dentro do gol. O goleiro assiste a tudo. Nem tempo teve para esboçar alguma reação. Ficou pregado no chão. O treinador balança a cabeça. Se persistir assim será mais uma derrota. A quinta seguida. E seu emprego está ameaçado. Importa reagir. O clima fica pesado. A torcida  na arquibancada logo logo vai pedir sua cabeça. Ela quer a vitória. Ele também. Só a vitória interessa, sempre.
O artilheiro fecha os olhos e corre em direção à sua torcida. Levanta as mãos para os céus. Humildemente diz que seu gol não foi obra dele. Que não foram sua habilidade, seu treino, sua perspicácia nem seu talento os responsáveis pela bela obra. O gol foi da divindade. E corre gritando para as câmeras de tevê: “não fui eu, não fui eu, não fui eu!”. O grito da torcida abafa sua voz.
Sentado em frente à tevê, ainda no calor do gol recentemente marcado, considero a iniciativa do artilheiro como uma prova de grande humildade. Ele admite que suas pernas são meros instrumentos para a manifestação divina. Porém, segundos depois, quando a bola está colocada no centro e o outro time, ainda abatido, se recompõe para reiniciar a partida, não deixo de questionar: que divindade é essa que se mete a fazer gols?
É claro que este tema é muito sério. E mexer numa coisas dessas é como cutucar numa colmeia. Há paixões, há convicções envolvidas nos assuntos relacionados à fé. Porém, o cronista não pode obrar com medo.
Sabemos que há milhares de desportistas que competem impulsionados pela fé. E não  há nenhum mal nisso. Muito antes pelo contrário. Porém, como sempre me compadeço com o perdedor, me pergunto:  se a divindade está metida nas rusgas futebolísticas defendendo um dos clubes ou alguns dos jogadores, que são agraciados com o sucesso, onde andará a divindade em relação aos perdedores? Por quê permitiu que o goleiro, o zagueiro e o treinador derrotados, talvez tão crentes na sua força quando o artilheiro, fossem vencidos pela perícia do atacante?
Além do mais, quais os esportes que são bem vistos pela divindade? Está presente, por exemplo, em competições individuais como canastra e pôquer ou a preferência é por esportes coletivos como o futebol, o basquete, o handebol ou até no  emocionante curling?
Muito embora respeite todas as crenças, prefiro acreditar que há coisas muito mais significativas merecendo a atenção da divindade do que vestir a camisa do Grêmio ou do Inter ou de qualquer destes times que desfilam suas habilidades ou falta de habilidade pelos lindos ou improvisados gramados de nosso planeta. Porém, cada um sabe bem o que lhe move. Mesmo que, às vezes não faça muito sentido aos nossos olhos, que grite o artilheiro o que bem quiser. Que atribua seu sucesso a quem bem entenda. Afinal, para o torcedor pouca diferença faz se o gol foi dele ou se sua perna foi impulsionada por uma atenta divindade.  

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