11/02/2015

O sentimento que te anima

“Importa o sentimento que te anima”, foi a última frase que Leonel ouviu. Abriu os olhos, com resistente preguiça. O sol não aparecia com decisão. Nem os pássaros cantavam. Decerto descansavam ainda. Mesmo assim, conseguia ver a silhueta ao seu lado. Admirou as suas costas nuas. A escuridão, no entanto, impedia que visse sua nuca, seus cabelos e a pintinha escura nas costas. Dormiu mais dez, quinze, vinte ou trinta minutos, não sabia precisar.
Foi despertado por um rebelde raio de sol que teimosamente entrava por uma pequena fresta da janela. Ouviu ao longe o som das ondas. O mar está próximo. Levantou da cama. O quarto estava desarrumado. Um copo com um pouco de água no criado-mudo, travesseiro no chão. Uma camiseta jogada de qualquer jeito numa cadeira. Um carregador de telefone celular ligado na tomada sem o aparelho. Desperdício de energia, pensou. Mal lavou o rosto. Fez um rápido bochecho para tirar o hálito da noite. Vestiu uma bermuda surrada. Saiu do quarto.
Imaginou que ela estivesse na sala, meditando. Ou na garagem elevando seu pensamento ao mais alto em busca de proteção para os seus. Ou, ainda, na cozinha preparando um café. Na sala, porém, não havia meditação, nem prece encontrou na garagem. Na cozinha, nada também. Saiu de casa com os olhos sendo agredidos pelo sol. Caminhou em direção à praia. Leve brisa acompanhava o ir e vir das ondas. A água limpa. Clara e quente. Os banhistas não chegaram ainda. Os raios solares batiam na água formando uma bela pintura. Seria um belo quadro se seus olhos estivessem buscando aquilo. Havia esquecido seus óculos e o que via pela frente era tão somente fantasmas de senhores com chapéus lançando seus anzóis no mar. São os mesmos de ontem e de anteontem. Faziam esforço para lançar suas linhas o mais longe que podiam. Alguns outros caminhavam na beira da praia. Casais apressados ou não. O rapaz corria com vontade. Uma senhora marchava lentamente, nem corria nem caminhava. Mas, o esforço que fazia era grande.
Um pescador lentamente vai puxando sua linha. Um dois três peixinhos vão se debatendo. Ele tira os peixes sem entusiasmo. São mais três. Como ontem, como anteontem. Logo jogará novamente sua linha e a cena se repetirá. E ele não demonstrará grande emoção.
Caminhou o que deu. Voltou lentamente para casa. Reencontrou pescadores, corredores e caminhantes. Não identificou rostos. Enxergava pouco. Talvez um que outro tenha feito leve movimento cumprimentando-o. Ficou envergonhado. Passaria por mal-educado. Azar!
O jornal tinha sido lançado no pátio. Pegou-o como sempre. Colocou uma água para esquentar na garrafa elétrica. Em minutos já estava chiando. Preparou o café. Duas colheres de pó seriam suficientes. Lançou a água quente sobre o pó e o cheiro tomou conta da casa. Gostava disso. O café seria pobre. Uma fatia de pão com margarina. Café preto. Leite não tolerava. Nestas horas lembrava dos conselhos da mãe: café tem que ser reforçado para que o dia seja bom! Apesar de respeitá-la, nunca conseguiu levar a sério sua ordem.
Abriu o jornal na página de sua colunista preferida. Falava sobre seus dias de infância na praia. Era magra. Muito magra e tímida. Não tinha amigos. Era chamada de esquisita pelos colegas de aula. No verão fugia de tudo aquilo e encontrava na casa de praia de uma tia o local ideal para recarregar as baterias. Ficava muitas vezes só. Acompanhava o ir e vir das ondas. O movimento dos pescadores, dos meninos e meninas que corriam e se jogavam com vontade na água. Os vendedores de picolés que empurravam seus carrinhos o dia todo e buzinavam bem perto das crianças para desespero dos pais. Não lamentava o que passou. Tinha conquistado seu espaço. Confessava, porém, que o tempo tinha afastado todo aquele desejo incontido de ver o mar, de se deliciar com o andar repetido da água e com a balbúrdia comportada do passado. Restava só um sentimento bom que a animava sempre que o verão chegava. Não tinha mais tempo para curtir aquele clima do passado. Pouco importava. Importa o sentimento que te anima, concluiu.
Leonel fechou o jornal. Abandonou seu café e sua magra fatia de pão. Estendeu sua rede preferida na garagem. Deitou. Aguardava algum sinal. E ele não vinha. Faziam falta sua silhueta, seus cabelos, sua pintinha nas costas. Onde andaria a uma hora dessas?

Restou a Leonel uma certeza: havia acordado no dia errado, no lugar errado.

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