02/07/2014

Não pare de sonhar

A placa diz PARE. Colocada num cruzamento de duas vias no interior de Maquiné, o sinal de trânsito recebe um acréscimo. Alguém, com alma de vândalo poeta, grafou em letras pretas: “não pare de sonhar”. Não obstante o flagrante dano ao patrimônio público, o alerta ou desabafo de um desconhecido pode ser um conselho extremamente válido nos dias de hoje.
Enquanto a cidade descansa: a menina sonha. No dia seguinte encontrará aquele que a fará feliz. Será por acaso. Caminhando num dia chuvoso, feio, baterá de frente com seu guarda-chuva no rapaz. Quase o derruba na calçada molhada. Ele sorrirá como um príncipe. Ela, estabanada, não conseguirá falar. Não sabe se dá atenção ao guarda-chuva que caiu, ao seu celular que se estatelou no chão ou ao rapaz. Murmurará um desculpe-me que não sairá de sua boca. Ele continuará a sorrir. E depois seguirá seu caminho. A menina, por sua vez, lamentará não ter falado, não ter explicado, não ter trocado o número de telefone. No fundo, sonha que o verá de novo.
O menino sonha que é invisível. Que à noite vigiará os passos da sua amada sem ser notado. Na realidade, ela não desconfia disso. Nem ao menos sabe que é amada, que é querida. Não desconfia que é vista com lentes de aumento. Não desconfia que seus passos são seguidos por olhos invisíveis. E quando deixa o banho e nua se dirige ao quarto, sente um estranho pressentimento. Rapidamente pega a toalha molhada e reveste seu corpo adolescente. Ri para o espelho. Talvez esteja louca. Ela está só no quarto. Ninguém a vê. São apenas seus olhos que enxergam seu rosto ainda úmido, seus cabelos molhados e escorridos, sua pele clara e sua bela magreza no espelho do roupeiro.
O outro sonha com uma máquina do tempo. É uma máquina complexa. Ocupa uma sala inteira de um laboratório. Entrou ali não sabe como. Talvez faça parte de alguma pesquisa ultrassecreta, destas que os americanos tanto gostam. Talvez tenha entrado por acaso, num descuido da segurança. Talvez faça parte da equipe de limpeza. Não tem certeza de nada. Sabe apenas que não sabe operá-la. Tem até medo de entrar nela e ser transportado para um tempo muito distante. Um tempo sem volta. Por outro lado, pensa que pode mudar a história. Pode, também, bagunçá-la. Olha a máquina com admiração e respeito. Quem dera pudesse programá-la para viver outras histórias. Quem dera soubesse operar aquilo para visitar o tempo e o espaço que nunca lhe pertenceram.
A jovem não consegue dormir. Deita, mas os pensamentos se sucedem. Seu corpo não sossega. Seu cérebro não apaga. Um amigo disse certa vez que o nosso cérebro tem um monte de miquinhos e eles ficam pulando sem parar. Adestrar estes miquinhos é tarefa das mais pesadas. Pô-los a dormir é estafante. Porém, se o sono não chega se sonha acordada. E uma música do Chico, seu novo amigo, a leva a uma pista de dança. Tatuagem ou Sob Medida, não importa! Ela escolhe seu par e se diverte. Como se não houvesse amanhã.
O atacante holandês sonhava com um pênalti. Sonhava levar seu time ao título. Tentou uma, tentou duas, tentou três. Na terceira vez seu sonho se consumou. Depois se arrependeu.
Disse que preferia ser honesto. Que o pênalti não ocorreu. O rápido holandês tem lapsos de atacante brasileiro. Títulos é o que ele quer.
O goleiro, por sua vez, chorou copiosamente. Disse que carregou no seu peito durante quatro anos um sonho: guardou no seu íntimo uma resposta. E ela tinha que ser dada. Queria fazer justiça. Queria enterrar seus fantasmas.Conseguiu. Mas não chegava. Queria mais. Sonhava com muito mais do que uma vitória sofrida.
Alguns, porém, colocam os seus sonhos nos pés dos outros. Há muitos dos nossos que sonharam que os chilenos eliminariam o Brasil na Copa. Guardaram seu sonho para a outra semana. Agora sonham que os colombianos assim farão. O sonho maior, na realidade, nem é esse. Sonham que os argentinos, sob a batuta de Messi, imporá fiasquenta derrota. Sonham com a chegada do mês de outubro, quando uma nação chorosa e desiludida derrubará Dilma do poder. Não contam com o imponderável. Sonham.
Nesta altura do campeonato, os sonhos de alguns bem que podem ser os pesadelos de outros.  

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