10/01/2014

Um funk aos antepassados

Fac-símile de pintura rupestre
A moça caminha lentamente. Leva em uma das mãos um par de chinelos. O tio joga bola com o sobrinho. Apesar da imensa barriga, que o limita em alguns movimentos, mostra que um dia teve alguma intimidade com a pelota. Alguns argentinos caminham, fumam e falam alto. A água, gelada e clara, encosta na areia banca e quente. Dois salva-vidas remanejam as bandeiras de área perigosa, apitando para que os meninos saiam das proximidades.
Na subida do morro, uma placa indica que a partir de agora os visitantes conhecerão as marcas deixadas pelos antigos moradores da ilha. Não se sabe ao certo se eram evocações às divindades, algum agrado aos deuses, um pedido de, ou, ainda, uma mensagem deixada para as futuras gerações. Certo, porém, é que as pedras do Sítio Arqueológico da Praia do Santinho, em Ingleses- SC ainda hoje guardam os desenhos de símbolos feitos por homens que ali viveram há mais de sete mil anos atrás.
A trilha segue e as pinturas rupestres vão aparecendo. Algumas claras, outras já denotando a passagem do tempo.  Os namorados colocam suas amadas próximas às pinturas e tiram fotos para a rede social. Um rapaz, com uma tatuagem tribal que escorre pelo corpo, caminhando mansamente como uma menina, desconhece os rabiscos do povo antigo e se diverte tirando fotos da bunda da amiga, que sorri escandalosamente fazendo poses vulgares e pretensamente  provocativas.
Do alto do morro segue uma trilha destinada aos aficionados. Gente comum dá meia volta e segue ladeira abaixo. É o que todos nós fizemos. Sem antes repassar pelos painéis explicativos fixados em locais estratégicos pela zelosa universidade local. A dúvida persiste: o que queriam dizer aqueles desenhos incrustados nas pedras pelos nossos antepassados?
Indiferentes a tudo, metros após a descida da trilha de pedras, na faixa de areia meninos com corpos bronzeados e cuidadosamente delineados por insistentes exercícios na academia, jogam uma partida de futivôlei. Senhoras carregam os netos e as netas no colo. O pai berra para que filho não avance no mar. A moça reforça a camada do protetor solar do rapaz.
Destoando de tudo isso, dois casais colocados debaixo de um guarda-sol. Cercados por latas de cervejas já consumidas e por uma caixa térmica, onde talvez se escondam outras tantas latinhas a serem abertas, Formaram um poderoso bunker na areia. Um caixa de som amplificada espalha no ar um som irritante. Um destes funks nacionais de gosto altamente duvidoso, cuja batida mexe com as cadeiras das meninas precocemente iniciadas e com o sentimento dos machões das comunidades. E segue a trilha nefasta com o melhor do pior do sertanejo que alguém, talvez atestando a mediocridade de nossas faculdades, apelidou de sertanejo universitário. 
“A música não pode parar”, dizia com determinação o locutor no meio das batidas. Ao redor, incomodados ou não, metidos embaixo de seus guarda-sóis os banhistas pareciam não perceber os disparates musicais da quadrilha. Sorte dos primitivos que do alto do morro, enquanto rabiscavam suas mensagens ainda hoje incógnitas, ouviam tão somente o murmuro das ondas do mar, o choque da água com as pedras e a música do roçar da brisa na abundante vegetação.  

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