22/10/2013

Nada mais do que palavras

Há certas obviedades que escapam à percepção. De tão claras, tornam-se invisíveis aos olhos mais desatentos. De tão frequentes, corriqueiras, usuais, parecem sofrer uma estranha mutação. Fingem-se de invisíveis. Quietinhas permanecem escondidas por um fino tecido, quase transparente. Estão ali, mas não são vistas.
A importância da palavra talvez seja uma destas obviedades. Logo ela, a palavra, que nos cerca diariamente. Exagerando, poderíamos dizer que as palavras movem o mundo. São ditas, escritas, cantadas, recitadas e lidas. As palavras estão em todos os lugares. Para elas não há vácuo. As palavras estão ali, espreitando. Ficam em repouso, aguardando o momento para atuar.
Palavras são palavras. Nada mais do que palavras. Desta forma o político nordestino Valfrido Canavieira iniciava suas manifestações. Variava a situação, o local e a motivação. Estivesse num almoço familiar, numa entrevista, num palanque ou numa conversa trivial, nada disso importava. O discurso do prefeito da cidadezinha nordestina era sempre o mesmo. Valfrido não existe mais. Na realidade nunca existiu. Ele era um personagem concebido pela mente criativa de Chico Anysio, um mestre do humor nacional. Era um dos tantos tipos que desfilaram por anos, por décadas no Chico City, Chico Anysio Show e a Escolinha do Professor Raimundo.
“Falou e disse, bixo”, “mentira, Terta?”, “e o salário, óh!” eram frases ditas por seus personagens e repetidas pela gurizada na escola. Tive um amigo de adolescência que jogava futebol e repetia durante o jogo as falas do Chico. Muitos destes bordões acabaram mesmo incorporados ao vocabulário das pessoas, inclusive aquelas mais sérias.
O que Canavieira sabia, como político que era, é que as palavras, mesmo que sejam corriqueiras, apresentam sim certa magia. Dependendo do talento do falante, mesmo o discurso mais óbvio se torna uma ferramenta de convencimento importante. Que o digam os políticos e suas frases prontas, eventualmente ressuscitadas a cada ano eleitoral, como se tudo não tivesse gosto café requentado. Assim, não resta dúvida de que “a educação, a cultura, a segurança são as nossas prioridades”. Ninguém será surpreendido quando aquele candidato falar que “nosso plano de governo vai priorizar a valorização do ser humano”.
As palavras estão aí. Elas não têm dono. Estão disponíveis aos gênios e aos atávicos, aos poetas e aos usurpadores; aos charlatões e estelionatários de toda ordem. Estão aí para os homens e as mulheres de bem. Mas estão, também, ao alcance daqueles que desejam e fazem o mal.
No processo de comunicação a palavra é sua excelência. Ela é a rainha do pedaço. É indispensável. Mas ela não depende só de quem fala nem de quem escreve. Ela goza de certa autonomia. Talvez Michel de Montaigne tenha captado com maestria a importância do outro neste processo, quando disse que “a palavra pertence metade a quem a profere e metade a quem a ouve”.
A palavra é tua!

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