14/08/2013

A alma do cronista

O que o cronista faz senão falar de si mesmo? Às vezes até fala dos problemas da sua cidade, do seu time (que perde quando não devia e que vence quando não se espera), do trânsito, dos costumes, da política, da filosofia e do tempo, que passa e não volta mais. Porém, mesmo que busque certo distanciamento do seu umbigo, logo ali na frente ele se trai. São seus olhos, seus sentimentos, sua inspiração, sua experiência sobre as questões que vão delimitando os temas. O cronista, por mais voltas que dê, sem perceber, está sempre mostrando a sua cara. Não há como negar: escondida entre tantas palavras, a alma do cronista vai se revelando em seus textos. O que para muitos é uma coisa natural, para outros tantos é um pesadelo, quase um parto normal sem anestesia.
A exposição é um empecilho.  Quem escreve fala de si, de seu mundo. Mostra o que sua vista enxerga. E, como todos no universo são partículas individuais, corre-se o risco de que não haja reciprocidade do lado de lá. O leitor pode desconhecer o que leu. Pode ignorar o esforço do escritor. E isso, de certa forma, pode espantar um pouco.
Há temores de todas as ordens que também podem conspirar. Há o medo de ser piegas. O medo de não parecer inteligente o suficiente. O medo de errar. O medo de se expor. O medo de não agradar. E por ai vai. Gente com talento de sobra acaba se escondendo, temendo que suas palavras revelem muito mais do que deveriam.
Com certeza, há uma legião de cronistas envergonhados pelo mundo afora. São milhares de olhares particulares sobre o tempo, a vida e a morte que jamais serão compartilhados. O medo mantém os escritos dormindo num ambiente hermeticamente fechado. Estão dentro de gavetas ou, ainda, atulhando o HD de seus computadores, sem permissão para sair. Uma pena para todos nós que teremos experiências e vivências sonegadas de nossas vistas.
Porém (sempre há um porém), algum desavisado um dia poderá abrir estas gavetas. E os velhos papéis, amarelados pelo tempo, verão a luz. E dalí, lentamente, irão surgindo a realidade do cronista que tinha medo. Um verdadeiro confessionário. Emoções insuspeitas que morreram com o escritor, agora se libertariam. As palavras escondidas finalmente ganhando vida. Um alívio para elas.
O escritor João Gilberto Noll disse dia desses no Caderno Cultural que escreve porque sabe que vai morrer. A morte do copo físico, aliás, é uma das poucas certezas que se tem. Noll prefere, então, que suas palavras ganhem vida. E, em assim sendo, suas emoções, seus sentimentos, sua visão de mundo, suas vibrações fiquem por aqui reverberando ao longo do tempo. O corpo ganha a sepultura e a palavra impressa ganha a eternidade possível.  A lei da compensação.
Não há como negar que o talentoso João Gilberto Noll tem razão na sua abordagem. O cronista, da mesma forma, não aprisiona suas palavras. Ele as lança no mundo para que ganhem vida, seja num periódico provinciano ou num de circulação nacional. Agora, então, com a difusão digital, crescem as possibilidades de que uma ideia aventada aqui neste pedaço do mundo chegue a recantos impensáveis lá no passado. 
Boas ideias é o que se quer, hoje e sempre!

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