03/12/2011

A visão do cotidiano

O cérebro humano se acostuma ao cotidiano. Uma imagem belíssima, estonteante, quando vista com frequência é incorporada de tal forma que se torna lugar comum. Também nas guerras, nas catástrofes, nos cenários de dor e sofrimento, ocorre este fenômeno. Os olhos percebem com maior intensidade o novo. As imagens corriqueiras passam batidas. É a novidade que chama a atenção. As imagens mais antigas, aquelas arquivadas nos compartimentos da memória, só são ativadas vez por outra, ainda assim quando são reunidas pelos sentimentos de saudade, de angústia, de satisfação ou tristeza.
Certa vez um grande amigo disse que estranhou quando visitava sua filha, que reside na frente de um dos cartões postais do Rio de Janeiro. Na sua constante pressa de resolver suas questões mais corriqueiras, não tinha olhos para a maravilha que se apresentava diariamente quando abria a janela de seu quarto.  Era como se aquela belíssima pintura natural fosse um adereço da sala de estar, daqueles a quem não dispensamos nem um furtivo olhar.
Talvez pelo mesmo motivo, o milionário não percebe o quanto compra com sua fortuna. Tampouco se sente ameaçado com a falta. O desvalido não conhece coisa maior do que sua pobreza. O amante não cogita o desprezo. Os artistas, os atletas, no auge de sua fama e de sua forma, só esperam o aplauso.  O mágico, nem de longe pensa que alguém da plateia irá desvendar o truque. Não aguardam outro estado diferente daquele que vivem. O cenário que ocupam é tão familiar, tão seguro. É o único possível, acreditam. 
Sou levado a pensar sobre isso depois de conviver alguns dias com a dor e o sofrimento causados pela doença. De terceiros é bem verdade. Acompanhando meu pai (que se encontra em franca recuperação) noto cenários diferentes daqueles que diariamente ocupamos quando gozamos de boa saúde. Há, na verdade, uma verdadeira legião de pessoas que sofrem. 
Caminhamos decididamente, automaticamente, sem ao menos aventar a possibilidade de que pessoas neste exato momento se encontram imobilizadas pela fratura de membros, pela fraqueza do corpo, atingido pelos mais diversos males físicos e mentais. O homem imobilizado é um homem impotente. Sua vontade é de agir, seu cérebro envia mensagens que, no entanto, não são executadas pelo corpo enfraquecido.
Nos hospitais públicos e privados, gente de todas as classes sociais vive este drama. Distante dos nossos olhos é bem verdade, mas, ainda assim, uma possibilidade existente para todos nós. Coisas passageiras, aliás, como tudo o que há na vida. Sabe-se, no entanto, que os doentes e sofredores devem olhar para o futuro com outros olhos, contribuindo, assim, para o processo de recuperação. Se assumirem seus males como algo inexorável, como um obstáculo insuperável, mais sofrimento causarão a si mesmos e aos seus próximos. 
Isto vale para todos, indistintamente. Valorizar aquilo que temos e o que vivemos é o mínimo que podemos fazer pela nossa saúde. 

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