22/06/2011

Um menino comum

Arte sobre foto

Houve um tempo que imaginava contar com um poder oculto. Chegaria o dia em que tal poder viria à tona e, aí sim, daria minha contribuição decisiva mudando o mundo.  Tal qual ocorre com os grandes heróis que povoam a infância de qualquer garoto, manteria este poder envolto em um segredo absoluto. Talvez um ou outro confidente, como Batman, que contava com o eficiente mordomo Alfred, dividisse comigo este fardo que é manter ilesa e oculta a minha personagem secreta.
Durante o dia estaria por aí, como um cidadão comum, desempenhando tarefas corriqueiras, sem chamar muito a atenção. Afinal de contas, nessas histórias de heróis, discrição é a alma do negócio. Diante do perigo, porém, daria uma desculpa qualquer e me lançaria em mais uma missão onde minha interferência seria decisiva, fundamental. Depois de mais um ato grandioso, apareceria novamente, talvez com cara de songa-monga ou mocorongo, como se nada soubesse, sem deixar pistas de que havia feito um esforço fenomenal para salvar a humanidade de alguma catástrofe.
Crescemos e o herói vai ficando cada vez mais longe. Até porque, os heróis das revistinhas somente surgem diante de uma catástrofe pessoal, de uma dor irreparável como uma resposta justa a algum trauma. Assim foi com o bilionário Bruce Wayne que só virou o Homem Morcego para cuidar da segurança de Gothan City após o assassinato de seus pais Thomas e Martha Wayne.
Aliás, o sofrimento está na base do surgimento dos heróis. O rapazinho Peter Parker, órfão desde pequeno, adolescente atrapalhado e mal quisto pelas meninas, somente vira herói depois que é picado por uma aranha num laboratório de pesquisas. Também o Super-Homem ficou órfão após a explosão de seu planeta natal, o Krypton. Providencialmente foi enviado à Terra pelo seu pai, o cientista Jor-El. Por aqui foi recepcionado pelos fazendeiros Jonathan e Martha Kent que o criaram como filho.
O Hulk, que enquanto adolescente sofreu uma descarga acidental de raios gama, viveu uma infância traumática. Filho de um Brian e de Rebecca, Bruce Banner era objeto do ódio paterno. Alcoólatra, cego de ciúmes, Brian assassina a própria mulher e é internado em um hospital psiquiátrico. Bruce fica sob os cuidados da tia, a Senhora Drake. O trauma acompanha o jovem que é obrigado a conviver com a dor agudíssima que o transforma no monstro verde.  Aliás, Hulk só é verde porque houve um acidente na gráfica que não acertou o ponto da tinta. Ele nasceu para ser cinza.
Um dos personagens mais recentes, o simpático Wolverine, é outro casca grossa que sofre. Apareceu em 1974, como coadjuvante na Revista do Hulk. Vítima de experiências governamentais, Wolverine é dotado de uma característica peculiar: a regeneração celular. Seu corpo se regenera não importando o impacto que venha a sofrer. Como sua memória foi apagada, vive um mundo incerto não sabendo o que é verdade e o que foi implantado em seu cérebro pelos militares.  
Os heróis das histórias em quadrinhos são seres que lutam contra seus fantasmas. São homens sofridos que assumem uma personalidade paralela que, de alguma forma, os impulsiona a superar os traumas. Pensando bem, nunca tive as bases necessárias para ser um herói como os das histórias em quadrinhos. O menino que jogava bola o dia todo, que corria na chuva empurrando um pneu velho, que subia em árvores para apanhar bergamotas, que se deliciava com os bolinhos de farinha soja fritos, servidos pela merendeira, não tem perfil para herói. Nenhum grande drama, nenhum trauma. 
Como diz Caetano Veloso em uma canção; “sou um homem comum, um qualquer um”. Ainda bem!  

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